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A nova tendência entre seniores: chamam-nos "cumulantes", mas trabalhar após a reforma é como conseguimos pagar as contas.

Casal idoso trabalhando em casa, usando portátil e papéis na mesa, com óculos e chá.

Quinta-feira de manhã, 7:42.

Estacionamento suburbano. O ar está frio, o letreiro de néon de um supermercado zune por cima de uma fila de carrinhos de compras. Jean, 72 anos, veste um colete fluorescente, esfrega as mãos e ri com a caixa de vinte e poucos anos que acende o seu primeiro cigarro do dia. Reformou-se há cinco anos de uma fábrica que já não existe. Agora está de volta ao trabalho, a empilhar caixas de tangerinas, a brincar com os clientes que o tratam por “o avô que nunca pára”.

Encolhe os ombros quando lhe perguntam porque está a trabalhar outra vez. “Chamam-nos os ‘cumulantes’”, sorri, “mas a minha reforma nem cobre a renda”. À sua volta, percebe-se que não é exceção. O motorista das entregas da padaria tem cabelo branco. O condutor da Uber que acabou de estacionar tem 69 anos. O barista lá dentro? Ex-professor, 67 anos. Toda uma geração invisível a reiniciar o relógio numa idade em que lhes prometeram descanso.

Não estão apenas a ocupar os dias. Estão a pagar as contas.

O novo normal: reforma… e depois um trabalho

Por toda a Europa e América do Norte, a cena repete-se: cabelos grisalhos atrás dos balcões, em escritórios, a pedalar com mochilas de entregas. Os “cumulantes” – seniores que combinam pensão e trabalho – estão a mudar silenciosamente o que significa reformar-se. A imagem antiga de redes de descanso, cruzeiros e dias no jardim está a desaparecer para muitos.

Basta falar com eles e percebe-se um padrão. A maioria não “escolheu” voltar por gosto, pelo menos ao início. Fizeram contas, viram os preços a subir, olharam para as poupanças a encolher e perceberam que a matemática já não fechava. Trabalhar depois da reforma é menos um passatempo, mais uma estratégia de sobrevivência. Um novo estilo de vida, nascido da necessidade.

Ainda assim, há algo marcante na forma como aparecem. Brincam, aprendem novas tecnologias, trazem snacks para a equipa. Trazem uma vida inteira de competências na mochila, mas batem o ponto como se fossem juniores. Parece uma contradição. Na verdade, é sinal dos tempos.

Os dados contam a mesma história numa linguagem mais fria. Em muitos países, a proporção de pessoas com mais de 65 anos a trabalhar quase duplicou em vinte anos. Nos EUA, cerca de um em cada cinco seniores está empregado ou à procura de trabalho. No Reino Unido, mais de 1,3 milhões de maiores de 65 trabalham. França, Alemanha, Canadá mostram a mesma curva a subir.

Por trás de cada barra nesses gráficos, há uma história como a da Elena. Tem 68 anos, foi secretária, agora é rececionista noturna num hotel económico três dias por semana. A pensão paga o básico. O salário paga o aquecimento, os óculos e um bilhete de comboio por ano para visitar os netos. “Sem este trabalho ficava em casa a contar moedas”, diz ela. “Assim, conto cartões de quarto. Não é glamoroso, mas pelo menos não passo medo no final do mês.”

O discurso público ainda fala de “seniores ativos” como se fosse uma escolha alegre de estilo de vida. Os números dizem algo mais cru. Para muitos, não se trata de estar “ocupado”. Trata-se de sobreviver.

Porquê esta mudança? Parte da resposta está numa tempestade silenciosa de custos. Rendas a disparar. Preços da alimentação e energia a subir, pouco mas sempre. Faturas de saúde a chegar como visitas indesejadas. Pensões desenhadas para outra época, quando a esperança de vida era mais curta e as carreiras mais estáveis.

Pessoas que pensaram ter feito tudo “bem” – trabalharam 40 anos, descontaram, pouparam um pouco – descobrem aos 65 que a meta mudou. A reforma torna-se um equilíbrio frágil em vez de porto seguro. Uns apoiam filhos adultos. Outros ajudam um companheiro doente. Muitos ainda pagam o empréstimo da casa. A equação rebenta.

Os economistas falam em “taxas de participação no mercado de trabalho” e “sustentabilidade dos sistemas de pensões”. Os “cumulantes” falam dos talões do supermercado. Uns usam gráficos. Os outros olham para o frigorífico como indicador. Entre os dois, está a nascer um novo panorama social.

Como os seniores estão a reinventar o trabalho (e a aguentar-se)

Quem melhor consegue gerir esta nova vida começa muitas vezes com um passo simples: calcula o verdadeiro custo de vida mensal, linha a linha, e procura um trabalho que cubra uma lacuna específica. Não um emprego qualquer “porque tenho de trabalhar”, mas um cargo suficiente para tapar o buraco sem destruir a saúde.

Alguns limitam-se a dois ou três turnos curtos por semana. Outros aceitam trabalho sazonal nos meses mais caros – aquecimento no inverno, ajuda aos netos no regresso às aulas, férias. Uma enfermeira reformada pode fazer campanhas de vacinação algumas vezes por ano. Um ex-condutor pode trabalhar só aos fins de semana. O objetivo não é voltar a uma carreira completa, mas sim tapar os buracos.

Muitos também negoceiam pequenas coisas, mas decisivas: nada de turnos noturnos, tarefas sentadas sempre que possível, hora de saída definida. Recusar horas extra não pagas. Dizer não a trabalho fisicamente arriscado, mesmo que o salário pareça atraente. Não se trata de preguiça. É para aguentar mais do que um inverno.

A nível humano, esta nova rotina pode ser um alívio ou um choque. Alguns seniores florescem no barulho de um café ou no ritmo das entregas. Outros dão de caras com a realidade ao perceberem que são tratados como mão de obra barata, contratados pela flexibilidade e esquecidos quando fazem os horários.

A maior armadilha? Aceitar qualquer coisa, a qualquer preço, por medo. É assim que há quem acabe com semanas de 40 horas aos 70 anos, a viajar de noite, a adiar consultas médicas e a colapsar na primavera. Sejamos honestos: ninguém faz isto todos os dias sem pagar um preço algures.

Há também vergonha. Muitos não falam do dinheiro. Fingem que trabalham “para se manterem ativos”, enquanto controlam cada euro em silêncio. Num dia mau, um comentário desagradável sobre “tirar empregos aos mais novos” pode magoar mais do que um joelho dorido. Por isso faz falta contar histórias reais, sem filtros.

Há algo que aparece vez após vez nas conversas com reformados trabalhadores: por baixo do cansaço, há orgulho. Orgulho em recusar desistir. Orgulho em pagarem o seu caminho, mesmo quando o sistema muda as regras.

“Chamam-nos ‘cumulantes’ como se fosse um insulto”, diz Marc, 70 anos, que trabalha 15 horas por semana numa loja de bricolage. “Eu chamo-lhe Plano B. A minha reforma paga o passado. O trabalho paga o presente.”

Essa mistura de resistência e lucidez é uma forma tranquila de resistência. Não torna a renda mais barata. Mas devolve uma sensação de controlo. Para alguns, até traz alegrias inesperadas: colegas que viram amigos, clientes que cuidam deles, um novo ofício aprendido aos 68.

  • Defina um “limite vermelho” pessoal para horas de trabalho e tarefas que não aceita, mesmo quando o dinheiro aperta.
  • Converse abertamente com a família sobre a realidade financeira, em vez de esconder com piadas.
  • Procure funções que respeitem a sua experiência, não apenas a disponibilidade de horários.
  • Guarde um espaço de tempo só para si, sem relógio, chefe ou obrigações.

O que isto diz sobre nós – e o que vem a seguir

Ver o crescimento dos “cumulantes” é como olhar para um espelho que mostra o futuro das nossas sociedades. Quem hoje tem 40 ou 50 anos vê estes seniores a trabalhar e pensa, meio a brincar, meio assustado: “Vou ser eu.” O antigo contrato – trabalhar, reformar, descansar – soa a história do século passado.

Mas há outro modo de olhar para esta vaga. Estes seniores estão a experimentar um novo equilíbrio entre trabalho remunerado, apoio à família e tempo pessoal, que os mais jovens também já desejam. Carreiras fragmentadas, reformas parciais, segundas (ou terceiras) vidas profissionais. A situação pode ser forçada, mas a criatividade é real.

Todos conhecemos aquele momento em que olhamos para a conta bancária, para a idade, para as responsabilidades e sentimos o chão a tremer. Os “cumulantes” vivem nesse ponto todos os dias. Gerem orgulho e ansiedade, cansaço e gratidão. Mostram que dignidade não é nunca precisar de ajuda. É recusar desaparecer.

Talvez a verdadeira questão não seja “Porque continuam a trabalhar?” mas “Como queremos envelhecer, juntos?” Deixamos cada um sozinho com a calculadora e as dores nas costas? Ou criamos empregos, cidades e redes de apoio onde trabalhar mais uns anos pode ser uma escolha, não um último recurso?

Os seniores que arrumam prateleiras, conduzem táxis, respondem chamadas de apoio ao cliente não “andam só a desenrascar-se”. Estão a traçar o esboço do nosso próprio envelhecimento. Partilhar as suas histórias – discretamente, teimosamente – pode ser o primeiro passo para mudar isso.

Ponto chaveDetalheInteresse para o leitor
A reforma já não garante segurança financeiraO aumento do custo de vida e pensões modestas levam mais seniores a voltar ao trabalhoAjuda a antecipar as suas necessidades financeiras e evitar surpresas desagradáveis aos 65
Os trabalhos de “cumulante” podem ser planeados, não apenas suportadosO trabalho direcionado e limitado, com limites claros, protege saúde e autonomiaFornece ideias concretas para ajustar o trabalho sem voltar ao esgotamento a tempo inteiro
Os seniores trabalhadores estão a mudar a ideia de envelhecerCombinam rendimento, relações e propósito de formas inesperadasConvida a repensar o que deseja para os seus anos de reforma

Perguntas frequentes:

  • O que significa realmente “cumulante”? Refere-se a alguém que combina (“cumul”) uma pensão de reforma com um trabalho remunerado, seja a tempo parcial, sazonal ou regular.
  • Trabalhar depois da reforma é sempre sinal de dificuldade financeira? Não. Muitos fazem-no para equilibrar o orçamento, mas alguns trabalham pelo convívio social, sentido de utilidade, ou para financiar projetos concretos como viagens ou ajudar a família.
  • Que tipos de empregos são mais comuns entre seniores trabalhadores? Comércio, segurança, condução e entregas, receção, explicações, cuidados pessoais e consultoria independente são escolhas frequentes, pois oferecem horários flexíveis.
  • Trabalhar depois da reforma reduz o valor da pensão? As regras variam de país para país e entre regimes de pensão. Nalguns sistemas pode ganhar livremente, noutros há tetos de rendimento – aconselhamento individual é essencial.
  • Como as famílias podem apoiar seniores obrigados a voltar a trabalhar? Falando honestamente sobre o dinheiro, dividindo tarefas, ajudando na burocracia e procura de emprego, e respeitando os limites em vez de julgar as escolhas.

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