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As deficiências nutricionais ocultas que provocam fadiga, depressão e fragilidade do sistema imunitário

Mulher sentada à mesa, com prato de salada, copo de água e chávena de chá, ao lado de caixa de comprimidos.

Por todo o lado, parece que as pessoas estão cansadas de uma forma que nem o sono resolve.

Ouvimos amigos brincar com o facto de “viverem à base de café” enquanto se interrogam em silêncio porque estão sempre à beira do esgotamento, apanham todas as constipações e sentem-se estranhamente apáticos. As análises ao sangue aparecem “normais”, o trabalho continua, mas persiste o nevoeiro, o mau humor, a sensação de que o corpo está a funcionar a 60% da capacidade. Culpamos o stress, a idade, os ecrãs, o ciclo de notícias. Raramente fazemos a pergunta direta: poderá algo tão elementar como a falta de nutrientes estar discretamente por detrás do nosso cansaço, ansiedade e sistema imunitário fraco?

Basta uma pequena deficiência para mudar a forma como pensas, sentes e vives a tua vida.

O desgaste silencioso nos teus hábitos diários

Normalmente a história começa da forma mais banal possível: um pequeno-almoço apressado, um almoço saltado e um “depois como qualquer coisa” ao jantar. Sim, comes, mas o teu corpo continua faminto em aspetos que não se veem logo ao espelho. A vitamina D em queda, o ferro por um fio, a B12 a escapar-se despercebida.

Continuas a insistir, porque é isso que todos fazem. Até que tarefas banais – responder a emails, cozinhar, ligar à tua mãe – parecem estranhamente pesadas. O cansaço instala-se tão devagar que começas a dizer que é “só o teu feitio”.

Depois chegam os ataques ao sistema imunitário. A constipação no escritório que dura três semanas. A gripe fora de época. A infeção ligeira que demora imenso a sarar. Dizes a ti próprio que o teu sistema imunitário é “fraco”. O que raramente se diz naquele momento: um corpo cansado e mal nutrido tem dificuldade em defender-te, mesmo que comas três vezes por dia e o teu IMC seja considerado normal.

Os números contam a mesma história, em silêncio. Em vários países ocidentais, até um terço dos adultos tem falta de vitamina D, especialmente no inverno. A deficiência de ferro é um dos problemas nutricionais mais comuns no mundo, sobretudo entre mulheres. Pessoas com dietas maioritariamente vegetais subestimam as dificuldades com a B12, e quem segue dietas ultraprocessadas ou “convenientes” escorrega para carências de magnésio ou ómega‑3 sem perceber.

Numa terça-feira cinzenta, isto não é um conceito abstrato. É a gestora de projetos de 29 anos que dormita no carro à hora de almoço e pensa que é “preguiçosa”. É o pai de 48 anos cuja paciência desapareceu, que perde as estribeiras com os filhos e depois se senta na cozinha às escuras a questionar-se quando se tornou tão reativo. Procuram no Google burnout, depressão, crise de meia-idade precoce. As análises por vezes regressam “dentro do normal”, mas ninguém explica que “normal baixo” pode ser horrível na vida real.

Os humanos não são robôs; somos química envolta em sentimentos. Sem ferro suficiente, os glóbulos vermelhos não transportam oxigénio eficazmente. Se houver falta de vitaminas do complexo B ou magnésio, o sistema nervoso tem dificuldade em regular o stress. Com vitamina D e ómega‑3 em baixos níveis, as vias do humor – serotonina, marcadores inflamatórios, sinais cerebrais – podem entrar em desequilíbrio. Isso aparece como “Estou exausto”, “Sinto-me em baixo”, “Estou sempre doente”, não como um sinal luminoso vermelho a piscar.

Muitas vezes separamos a mente do corpo, como se o mau humor vivesse no cérebro e o sistema imunitário fraco nos gânglios linfáticos. Na realidade, deficiências nutricionais ocultas costumam estar silenciosamente no meio, a ligar os dois.

Reconhecer os sinais: o que o teu corpo está realmente a tentar dizer-te

Um primeiro passo eficaz é brutalmente simples: escreve durante uma semana o que realmente comes, sem enfeitar para impressionar. O café da manhã, meio croissant, os nuggets que os filhos deixaram, os cereais às 22h. Sem julgamentos, só dados. Depois compara esse retrato com o que o teu corpo anda a queixar-se: cansaço extremo? Infeções frequentes? Queda de cabelo? Neblina mental que parece caminhar em sopa?

Não se trata de contar calorias ou perseguir a perfeição; trata-se de ver padrões. Um pequeno-almoço nunca com proteína. Dias em que nada verde aparece no prato. Semanas sem peixe, ovos ou alimentos fortificados com B12 ou vitamina D. Esse diário alimentar, por mais caótico que pareça, muitas vezes explica porque é que as análises estão discretamente a sussurrar “estás no limite” em aspetos-chave.

*Às vezes o sintoma mais evidente é aquele que normalizaste há anos.* Talvez adormeces no sofá às 20h e achas que é “só a tua natureza”. Talvez só com três cafés te sentes gente. Esses hábitos podem ser pequenos avisos a apontar diretamente para as tuas carências nutricionais.

Numa quarta-feira chuvosa num centro de saúde agitado em Londres, uma jovem senta-se na marquesa, quase envergonhada. Está “cansada há séculos”, apanhando todos os vírus do escritório. O médico, com pouco tempo, pede análises básicas: tiroide, ferro, B12, vitamina D. Quando chegam os resultados, nada está catastroficamente errado. Mas a ferritina – reservas de ferro – está no limiar mínimo do intervalo de referência, e a vitamina D baixa o suficiente para explicar as dores nos ossos e a tristeza que achou serem só “melancolia de inverno”.

Multiplica essa história por milhões. Um estudo europeu de 2019 sugeriu que uma grande fatia da população tem níveis subótimos de vitamina D, especialmente pessoas do norte ou que passam a maior parte do tempo em espaços fechados. Outros dados mostram que mulheres em idade fértil são especialmente vulneráveis a carências de ferro, entre perdas menstruais, gravidez e dietas com pouco ferro.

Além disso, os padrões alimentares modernos inclinam-se para opções ultraprocessadas: snacks, refeições prontas, bebidas açucaradas. Estes alimentos podem ter muitas calorias mas poucos micronutrientes. O estômago fica cheio, mas as células continuam à espera dos blocos de construção para energia, hormonas e defesa imunitária. Não admira que o corpo comece a enviar sinais na única linguagem que tem: cansaço, baixo astral, desejos estranhos, infeções persistentes.

Eis a dificuldade: os “intervalos normais” das análises são criados para populações, não para o teu ponto de equilíbrio pessoal. Por isso podes ouvir “os seus resultados estão bem” e sentir-te na mesma um balão murcho. Uma ferritina de 15 μg/L pode ser “normal” em alguns laboratórios, mas muitas pessoas sentem-se muito melhor quando esse número cresce para 50 ou mais.

O mesmo com a vitamina D. Um valor pouco acima da deficiência pode afastar o raquitismo, mas não equivale, necessariamente, ao teu melhor rendimento em humor, imunidade e energia. Os intervalos funcionais – a zona onde te sentes realmente bem – podem ser mais estreitos do que os grandes intervalos impressos na folha de análise. É aqui que conversas honestas com um profissional de saúde fazem a diferença.

Também não podemos ignorar o lado da saúde mental. Baixos níveis de B12, folato, vitamina D e ómega‑3 estão todos associados, segundo a investigação, a taxas mais elevadas de depressão ou ansiedade. Isso não significa que os nutrientes substituem a terapia ou a medicação. Significa sim que tratar o cérebro ignorando as matérias-primas do corpo é como tentar correr uma aplicação pesada num telemóvel com a bateria a acabar.

Reconstruir por dentro: passos práticos sem alterar a vida toda

Uma tática surpreendentemente eficaz: organiza o teu dia em torno de uma “refeição âncora” que te nutra a sério. Pode ser o pequeno-almoço, se as manhãs forem calmas, mas para muitos é mais fácil começar pelo almoço. Vê esta âncora como um prato irrenunciável que contenha três coisas – proteína, cor e gorduras saudáveis.

A proteína pode ser ovos, feijão, peixe, tofu, frango, lentilhas. Cor são os legumes ou fruta, idealmente duas cores diferentes. As gorduras saudáveis podem vir do azeite, frutos secos, sementes, abacate ou peixe gordo. Em termos de nutrientes, esta combinação dá-te uma hipótese realista de atingir os principais parâmetros: ferro (especialmente se o combinas com vitamina C), vitaminas B, magnésio, zinco e antioxidantes que mantêm o sistema imunitário atento, não esgotado.

Fazendo isto uma vez por dia, de forma consistente, o teu ponto de partida começa a melhorar.

O passo seguinte: faz análises com intenção, não ao acaso. Pergunta especificamente por ferro e ferritina, B12, folato, vitamina D, talvez magnésio dependendo dos sintomas. Se és vegan ou vegetariano, a B12 é indispensável; vais precisar de alimentos fortificados ou suplementos. Se te tapas do sol ou vives longe do equador, a vitamina D quase sempre precisa de reforço, sobretudo no inverno.

Sejamos honestos: ninguém faz isto mesmo todos os dias. A vida é uma confusão. Os miúdos adoecem, o trabalho atrasa-se, acabas a comer torradas em frente ao lava-loiça. Por isso, pensar em padrões e não em perfeição muda tudo. Ter três refeições decentes na maioria dos dias faz mais pela tua energia e humor do que um “dia perfeito” seguido de uma semana caótica.

Há armadilhas comuns em que caímos facilmente. Tomar ferro com café ou chá, por exemplo, reduz muito a absorção. Engolir vitamina D sem gordura por perto limita o que o corpo consegue aproveitar. Tomar um multivitamínico e assumir que está tudo resolvido – quando as doses são demasiado baixas para corrigir carências reais – só traz desilusão, parecendo que “a nutrição não funciona para mim”.

Há também a armadilha emocional da auto-culpa. Sentimo-nos em baixo, cansados, esgotados, e achamos que é defeito nosso: “Sou fraco”. Vemos pessoas nas redes sociais a treinar às 5h da manhã e a beber batidos verdes e a vergonha cresce. Num nível humano, essa vergonha é alimentada muitas vezes por uma bioquímica simples que ninguém explicou.

Na sociedade, é mais fácil e barato dizer às pessoas para “se esforçarem mais” do que pedir uma análise à vitamina D ou ferro. Mas o teu valor como pessoa não se mede em energia.

“Pensei anos que era preguiçosa e desmotivada”, diz a Laura, 34. “Assim que o médico tratou a falta de ferro e vitamina D baixa, foi como se alguém tivesse acendido a luz na minha cabeça.”

As deficiências ocultas raramente vêm sozinhas. Se um nutriente estiver baixo, outros provavelmente também estarão instáveis, fruto dos mesmos hábitos: pouca exposição ao sol, variedade alimentar limitada, stress crónico que esgota magnésio e vitaminas B. Por isso uma combinação de exames direcionados e pequenas melhorias diárias na alimentação funciona melhor do que encher de suplementos ao acaso.

  • Faz, pelo menos uma vez, um hemograma personalizado se o cansaço, mau humor ou infeções frequentes persistirem.
  • Apoia a refeição principal em proteína, cor e gorduras saudáveis todos os dias.
  • Combina alimentos ricos em ferro com vitamina C, e toma o ferro afastado do café ou chá.
  • Inclui uma fonte fiável de B12 se fores vegetariano/vegano ou comeres raramente produtos animais.
  • Fala com um profissional antes de tomar doses elevadas de suplementos, sobretudo se tens doenças crónicas.

Viver com mais luz: o que muda quando o corpo finalmente tem o que precisa

Algo muda quando deixas de ver o cansaço ou mau humor como falha moral e passas a encará-lo como um sinal. Olhas para o teu dia e vês onde a energia se escapa: as refeições saltadas, os lanches insípidos, os meses de inverno sem ver a luz do dia. Lembras-te que o sistema imunitário, a química cerebral e as hormonas não são conceitos abstratos – são sistemas vivos feitos do que comes, bebes e absorves.

Quando alguém passa de “quase aceitável” a níveis saudáveis de ferro, ou da deficiência para níveis robustos de vitamina D, costuma descrever o resultado em termos emocionais. “Sinto-me eu outra vez.” “Não tinha percebido o quão enevoado estava até desaparecer.” Isso não quer dizer que todos os problemas desaparecem, ou que nutrientes substituem terapia, descanso ou apoio social. Significa que o corpo deixa de lutar com uma mão atada atrás das costas.

Do ponto de vista coletivo, isto é discretamente revolucionário. Fala-se muito de saúde mental e burnout, pouco das carências físicas que agravam ambos. Imagina se os check-ups anuais incluíssem sempre ferritina e vitamina D para quem refere cansaço crónico. Imagina adolescentes com mau estar passarem a ser avaliados para B12 e ómega‑3 de forma rotineira, e não por acaso. Em menor escala, imagina a tua vida com apenas mais 20% de energia. Que conversas terias? Que projetos deixariam de apanhar pó?

A nível pessoal, o trabalho é mais simples do que parece. Não é uma limpeza de 30 dias ou um plano rígido. É escolher cuidar do teu “eu do futuro” com um pouco mais de atenção hoje. É fazer aquela análise que tens adiado. É fazer uma pausa, quando te sentes exausto(a), e perguntar: “O que estará a faltar ao meu corpo?”

Todos já tivemos aquele momento em que culpamos a nossa personalidade pelo que, em parte, pode ser uma história nutricional. Partilhar essa hipótese – discretamente, sem julgamentos – pode ser um alívio para alguém à tua volta que anda a funcionar com os restos há anos. E se este texto te fizer questionar o teu próprio cansaço, humor ou problemas imunitários, o próximo capítulo da tua saúde pode ser bem diferente do anterior.

Ponto-chaveDetalheRelevância para o leitor
Carências frequentesFerro, vitamina D, B12, folato, magnésio, ómega‑3Compreender que lacunas podem sabotar energia, humor e defesas
Sinais do corpoCansaço persistente, infeções recorrentes, nevoeiro mental, irritabilidadeLigar sintomas banais a causas frequentemente desvalorizadas
Ações concretasRefeição-âncora, análises sanguíneas direcionadas, suplementação sensataTer um plano realista para começar a recuperar

Perguntas frequentes:

Como saber se o meu cansaço é deficiência ou apenas stress?

Não se pode confiar só nos sintomas pois stress e deficiências muitas vezes sobrepõem-se. Cansaço persistente por mais de algumas semanas, especialmente com queda de cabelo, infeções frequentes ou falta de ar, é uma forte razão para pedir análises (ferro, ferritina, B12, folato, vitamina D, tiroide) em vez de adivinhar.

Posso corrigir baixos níveis de ferro ou vitamina D só com alimentação?

Pequenas carências às vezes melhoram com dieta, mas deficiências reais costumam precisar de suplementos durante alguns meses. O ferro está em carne vermelha, lentilhas, feijão e cereais fortificados, mas a absorção é limitada. A vitamina D é difícil de obter só pela alimentação, especialmente no inverno; os suplementos são frequentemente recomendados após avaliação dos níveis.

É perigoso tomar suplementos sem análises prévias?

Multivitamínicos de dose baixa são, em geral, seguros, mas doses elevadas de nutrientes isolados (ferro, vitamina D, vitamina A) podem ser prejudiciais se não forem necessários. Testar permite corrigir o que está mesmo em défice e evita sobrecarregar o organismo ou mascarar uma doença oculta.

Vegans e vegetarianos precisam mesmo de suplementos de B12?

Sim. B12 fiável encontra-se quase exclusivamente em produtos animais. A ingestão insuficiente prolongada pode danificar nervos e afetar humor e cognição. Alimentos fortificados ajudam, mas a maioria dos adeptos de dietas vegetais precisa de suplemento regular.

Quanto tempo até sentir melhoras após corrigir uma deficiência?

Varia. Algumas pessoas sentem mais energia em 2–3 semanas após corrigir ferro ou vitamina D; outras só após alguns meses para repor reservas. As alterações de humor podem ser graduais. Se nada muda passados vários meses, vale a pena repetir análises e explorar outras causas médicas ou psicológicas.

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