Todos nós já vivemos aquele momento em que algo nos parece completamente absurdo… antes de percebermos, anos mais tarde, que afinal era terrivelmente lógico.
Foi exatamente isso que aconteceu com algumas linhas de metro construídas pela China no final dos anos 2000. Na altura, surgiam estações novinhas em folha no meio de campos vazios, terrenos baldios poeirentos, estradas sem carros.
As fotos circulavam em blogs, depois no Facebook e Twitter: escadas rolantes que desciam para o nada, plataformas sem passageiros, painéis luminosos para utentes que ainda não existiam. Muitos riam. Outros falavam em mania das grandezas.
Em 2025, essas mesmas estações tornaram-se pontos nevrálgicos de bairros imensos. E de repente, toda a história ganha outro sentido.
Das “estações-fantasma” ao coração pulsante das novas cidades
Deu-se um apelido a estas estações no vazio: “estações-fantasma”. Estações subterrâneas tão limpas que quase se ouvia o som dos próprios passos, com apenas um agente fardado a olhar para o relógio. À volta, terrenos baldios, uma ou duas gruas, por vezes nem isso.
Se lá tivesse passado em 2008, provavelmente teria pegado no telemóvel para filmar. As escadas rolantes funcionavam, os torniquetes também, mas as carruagens chegavam meio vazias e partiam quase de imediato. O local parecia mais um cenário de filme de ficção científica do que uma infraestrutura pública real.
Nessa altura, toda a gente fazia a mesma pergunta: por que construir um metro onde não há literalmente ninguém?
Pegue-se, por exemplo, na periferia de Chengdu ou Wuhan em meados dos anos 2000. Em redor de algumas estações, só havia campos de colza, algumas casas baixas e um vento frio a varrer os parques de estacionamento desertos. Dezassete anos depois, esses mesmos parques tornaram-se centros comerciais, torres de escritórios, residências de vinte e cinco andares.
Os números falam ainda mais alto do que as imagens. Em Shenzhen, uma estação construída em 2011 no meio do nada registava menos de 1 000 passageiros por dia na inauguração. Em 2024, ultrapassa as 60 000 validações diárias, com horas de ponta em que as pessoas se apertam contra as portas como em qualquer metro saturado do mundo.
O que parecia grotesco tornou-se banal para os habitantes. Para eles, a estação deixou de ser uma curiosidade urbanística, é apenas o local onde apanham o metro para ir trabalhar, buscar os filhos à escola ou sair à noite.
No fundo, a lógica era simples, quase brutal. A China não construiu metros para servir bairros existentes. Construiu metros para criar bairros futuros. As linhas de transporte tornaram-se a espinha dorsal à volta da qual o imobiliário, escolas, hospitais e centros comerciais se desenvolveram rapidamente.
Fala-se frequentemente em “desenvolvimento orientado pelo transporte” nas conferências de urbanismo, mas aqui viu-se aplicado numa escala continental. Em vez de esperar que a procura surgisse, o Estado e as cidades impuseram uma oferta maciça, apostando que a procura acabaria por acompanhar. E foi exatamente isso que aconteceu na maioria dos casos.
Em 2025, olhar para estas antigas estações isoladas permite ler em modo acelerado 15 anos de estratégia urbana: uma política de longo prazo, por vezes brutal, raramente subtil, mas de uma coerência surpreendente.
Como a China usou “metros vazios” como máquina do tempo
Se olharmos para estas estações apenas como meio de transporte, perdemos o essencial. Na realidade, a China usou-as como uma máquina do tempo. Construiu a infraestrutura não para o presente, mas para o futuro hipotético de 2030 ou 2040. E aceitou que, durante anos, parecesse absurdo.
O método poderia resumir-se assim: construir primeiro o esqueleto (carris, estações, túneis), depois deixar a carne (habitantes, comércio, empregos) fixar-se progressivamente. É o oposto da maioria das cidades ocidentais, onde se luta para adaptar o metro a um tecido urbano já saturado.
Em 2008, esta estratégia dava fotos de plataformas vazias. Em 2025, produz metrópoles de 10 ou 20 milhões de habitantes que ainda conseguem respirar.
Para muitos citadinos europeus ou americanos, a própria ideia de construir uma linha no vazio parece delirante. Nas suas cidades, cada estação é alvo de consultas públicas, relatórios, recurso. O metro segue a população, não o contrário.
Em Pequim, Xangai ou Chongqing, a discussão foi radicalmente diferente. As autoridades pensaram em décadas, não em mandatos eleitorais. Sejamos honestos: ninguém faz realmente isso todos os dias nas democracias locais. O dinheiro público foi investido em túneis para lado nenhum, numa aposta consciente de que o “lado nenhum” de hoje seria o “centro” de amanhã.
A consequência é que esses metros serviram de bússola para promotores imobiliários, famílias e empresas: onde havia uma estação, mais cedo ou mais tarde haveria vida urbana. Em 2025, percebe-se até que ponto essa bússola orientou o mapa real das cidades.
“Constrói-se, e eles virão” era um slogan algo ingénuo nos anos 1990. Na China, transformou-se em política de Estado: construir primeiro, habitar depois, rentabilizar muito mais tarde.
Para o leitor, esta história não é apenas um caso de estudo de urbanismo chinês. Levanta uma pergunta direta: o que aconteceria se as nossas cidades aceitassem investir no que hoje parece inútil para evitar a asfixia de amanhã?
- Olhar para uma estação vazia em fotografia e imaginar a multidão futura é um exercício de projeção que as nossas sociedades por vezes perderam.
- Compreender a lógica por trás destes “metros para lado nenhum” ajuda a decifrar os próximos grandes projetos que nos parecerão insensatos… antes de se tornarem indispensáveis.
O que estas “estações no meio do nada” nos dizem sobre o nosso futuro
Em 2025, estas estações outrora isoladas tornaram-se espelhos para o resto do mundo. Obrigam-nos a olhar para as nossas próprias cidades, os nossos engarrafamentos, as rendas exorbitantes, e a colocar uma questão desconfortável: em que momento devíamos ter agido mais cedo, mais longe, para além do nosso horizonte imediato?
A China não conseguiu tudo, longe disso. Algumas estações continuam subutilizadas, alguns bairros planeados nunca arrancaram verdadeiramente. Mas no conjunto, a história conta uma coisa simples: o urbanismo não é apenas gerir o que existe, é por vezes ter a coragem de fazer existir o que ainda não está lá.
Essas plataformas vazias de 2008 tornaram-se, em pouco mais de uma década e meia, corredores de vida quotidiana. Lugares onde nos empurramos, onde nos cruzamos sem ver, onde milhões de histórias se sobrepõem. Ao olhar para estes metros “construídos no meio do nada”, já não se vê um erro de cálculo, vê-se uma escolha de sociedade.
| Ponto chave | Detalhe | Interesse para o leitor |
| Estações “fantasma” | Construídas em zonas quase desertas em 2008 | Perceber porque uma decisão à primeira vista absurda pode revelar-se visionária |
| Estratégia a longo prazo | Construir as redes antes da chegada massiva de habitantes | Mudar a perspetiva sobre grandes projetos urbanos na sua própria cidade |
| Cidades do amanhã | Os metros estruturam a forma e ritmo das novas metrópoles | Imaginar como será a vida urbana daqui a 10 ou 20 anos |
FAQ:
- Essas estações chinesas “vazias” eram mesmo usadas por ninguém? Não exatamente. No início, a afluência era baixa, mas ainda havia trabalhadores, alguns residentes e pessoal de construção a utilizá-las. O vazio era sobretudo relativo à enorme capacidade instalada.
- Todas as “estações no meio do nada” na China tiveram sucesso? Não. Algumas continuam subutilizadas, especialmente em áreas onde projetos imobiliários foram adiados ou cancelados. A estratégia resultou em muitas grandes metrópoles mas não de forma geral em todo o lado.
- Porque é que as cidades ocidentais não seguiram a mesma abordagem? Enfrentam ciclos políticos diferentes, restrições orçamentais e maior escrutínio público. Construir infraestruturas de longo prazo que parecem “inúteis” durante anos é muito mais difícil de defender democraticamente.
- Este modelo é sustentável para o ambiente? Quando funciona, bairros densos e orientados para o transporte público podem reduzir significativamente o uso do automóvel e as emissões. O risco surge ao combinar construção excessiva com expansão urbana dispersa e infraestruturas não utilizadas.
- O que podem realmente aprender outros países com isto? Não se trata de copiar o modelo chinês, mas de repensar o tempo: construir o transporte público ligeiramente à frente da procura, planear a cidade à volta das estações, e aceitar que alguns retornos só chegam uma década depois.
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