Como é que as coisas que não dizemos moldam quem nos tornamos, o que amamos e até o que ousamos mudar?
Por trás de cada conversa corre um segundo diálogo, invisível: as pausas, as palavras engolidas, o silêncio cuidadosamente escolhido. Este lado silencioso da nossa vida acabou de assumir o protagonismo em França, onde um importante prémio de psicologia foi atribuído a um livro que trata o silêncio, não como ausência, mas como uma presença poderosa e complexa.
O prémio que ouve nas entrelinhas
O Prémio de Ensaio Psychologies 2025, concedido pela revista francesa Psychologies, foi atribuído à psicanalista Laurence Joseph pelo seu livro “Nos silences” (“Os Nossos Silêncios”), publicado pela Autrement. A cerimónia de entrega realizou-se a 18 de novembro, no Museu Bourdelle, em Paris, rodeada por esculturas imponentes que ecoavam os temas de força, fragilidade e tensão humana explorados na obra.
O júri reuniu jornalistas especializados da revista e um grupo de leitores empenhados, sob a presidência de Blanche Leridon, vencedora da edição de 2024. As discussões centraram-se menos na teoria académica e mais no impacto que um livro pode ter na vida emocional quotidiana.
“Nos silences” explora o que acontece quando ficamos calados: a proteção que oferece, os danos que causa e as viragens que pode desencadear.
A escolha do ensaio de Joseph sinaliza uma crescente atenção cultural, em França, à literacia emocional e à forma como as pessoas lidam com trauma, conflito e intimidade.
O que diz “Nos silences” sobre o que não dizemos
Laurence Joseph é psicanalista no ativo e o seu livro inspira-se no consultório, mas também na literatura, filosofia, psicologia e história. Em vez de tratar o silêncio como mera falta de palavras, vê-o como uma estratégia psicológica, uma linguagem própria, e por vezes um sintoma.
Quatro tipos de silêncio que moldam uma vida
No livro, Joseph distingue vários tipos de silêncio que muitos leitores reconhecerão nas suas próprias vidas:
- Silêncio protetor – ficar calado para manter um limite, proteger uma memória ou evitar reabrir uma ferida.
- Silêncio aprisionante – quando a ausência de palavras encerra alguém dentro da vergonha, do medo ou de segredos familiares.
- Silêncio resistente – não dizer nada como ato de protesto, sobrevivência ou dignidade, sobretudo em relações desiguais.
- Silêncio rompido – o momento em que o não dito finalmente irrompe, por vezes libertador, por vezes devastador.
Cada tipo aparece através de histórias, vinhetas clínicas e referências culturais, mais do que categorias abstratas. O objetivo não é rotular pessoas, mas ajudar os leitores a reconhecerem os seus próprios padrões.
“O silêncio não é o oposto da fala, mas a sua condição”, escreve Joseph, sugerindo que aquilo que retivemos frequentemente determina o que, enfim, conseguimos articular.
Porque é que isto ressoa agora
O livro chega numa época em que os debates públicos sobre saúde mental incentivam as pessoas a falar, partilhar e “dizer tudo”. O trabalho de Joseph complica esta mensagem. Ela não romantiza o silêncio, mas recusa tratá-lo apenas como um problema.
Para alguns, o silêncio pode ser um passo no caminho para mais tarde falar com mais segurança e honestidade. Para outros, encobre gerações de abusos, doenças ou lutos não verbalizados. O livro leva os leitores a fazer uma pergunta simples: O meu silêncio serve-me ou está, lentamente, a enclausurar-me?
Um prémio que destaca a psicologia do quotidiano
O Prémio de Ensaio Psychologies não se dirige em primeiro lugar a investigadores académicos. Foca-se em livros capazes de mudar a forma como as pessoas pensam sobre si, as suas famílias e relações. O ensaio de Joseph encaixa nesta ambição, oferecendo teoria entrelaçada com narrativa e reflexão, em vez de jargão pesado.
O cenário do Museu Bourdelle acrescentou uma dimensão visual à noite. Esculturas colossais, imóveis em movimento, criaram um pano de fundo paradoxal: corpos feitos de pedra, cheios de energia mas mudos. Muitos convidados notaram como isto espelhava a questão central do livro: quanta intensidade existe naquilo que nunca é dito?
Como o júri enquadrou a sua escolha
Durante as deliberações, o júri analisou vários critérios:
| Critério | O que importou |
| Acessibilidade | Pode um leitor comum acompanhar e sentir-se envolvido sem formação em psicologia? |
| Profundidade | O livro vai além de slogans de autoajuda e oferece verdadeiras ferramentas conceptuais? |
| Relevância | Aborda questões que as pessoas realmente se colocam hoje em dia? |
| Qualidade literária | A escrita é cativante ao ponto de transmitir ideias complexas ao longo de vários capítulos? |
Segundo a Psychologies, “Nos silences” destacou-se por cumprir todos estes critérios mantendo-se um genuíno prazer de leitura, algo relevante quando se aborda dor, vergonha e risco emocional.
O prémio especial dos editores: viver com e depois do cancro
Na mesma cerimónia, um Prémio Especial dos Editores foi atribuído a “Vivre avec, vivre après” (“Viver com, viver depois”) de Christophe André, Cloé Brami e Violaine Forissier, publicado pela L’Iconoclaste. A revista só concedeu esta distinção especial três vezes, sinalizando como o livro se alinha com a missão editorial.
Os autores oferecem um guia para pessoas afetadas pelo cancro – doentes, familiares e cuidadores. O psicólogo Christophe André é conhecido no mundo francófono por tornar o mindfulness e competências emocionais acessíveis ao grande público. Aqui, a par da médica Cloé Brami e da jornalista Violaine Forissier, centra-se nas tempestades criadas pela doença grave.
O livro apresenta-se como um companheiro, oferecendo marcos, recursos e esperança a quem navega pelo cancro.
Em vez de se focarem apenas em informação médica, os autores colocam as relações no centro dos cuidados: como falar com quem se ama, como receber ajuda sem se reduzir a um diagnóstico, como reconstruir a vida quotidiana quando o tratamento termina.
Porque é importante para doentes e famílias
Investigação em psico-oncologia mostra que apoio emocional, comunicação clara e relações estáveis podem influenciar a qualidade de vida e, em alguns casos, até a adesão ao tratamento. Um livro que trate estes aspetos como centrais responde a uma necessidade real.
O Prémio Especial dos Editores, associado a uma obra destas, reflete uma mudança cultural mais ampla na saúde: os doentes procuram tanto clareza científica como ferramentas práticas para viver a doença – não apenas para sobreviver a ela.
Silêncio, fala e saúde mental: perspetivas práticas para leitores
Ambos os livros premiados levantam uma pergunta comum: como lidamos com as experiências mais difíceis sem nos afogarmos nelas, nem fingirmos que não existem?
Os psicólogos observam frequentemente uma tensão entre dois riscos:
- Ficar calado demasiado tempo pode cristalizar traumas, isolar pessoas e manter ciclos de vergonha.
- Falar sem preparação pode reabrir feridas abruptamente ou sobrecarregar relações que não estão prontas para tais verdades.
O trabalho de Joseph sugere um caminho do meio: dar um nome ao silêncio, perceber que papel desempenha e depois escolher quando e onde quebrá-lo. Isso pode significar começar por um terapeuta, um amigo de confiança ou até escrever em privado antes de falar em voz alta.
Para quem lida com doença, como os leitores de “Viver com, viver depois”, o desafio é ligeiramente diferente. Muitos doentes acabam por editar a sua própria história para proteger os que lhes são próximos, disfarçando medo ou exaustão em piadas ou comentários estoicos. Uma orientação estruturada pode ajudar famílias a criar pequenos rituais de conversa, check-ins breves ou cadernos partilhados onde as emoções possam surgir sem transformar cada jantar numa sessão de terapia.
Ambos os livros abrem ainda a porta para uma competência negligenciada: aprender a ouvir sem apressar um conselho. Quando alguém quebra finalmente um longo silêncio – sobre cancro, trauma, depressão ou segredos de família – a primeira resposta define o tom do que vem a seguir. Um simples “Estou a ouvir, estou aqui contigo” pode ser mais eficaz do que um longo discurso explicativo.
Para leitores fora de França, estes prémios sinalizam uma procura crescente por ensaios psicológicos que não sejam pura clínica, nem pura inspiração. Estão no território real e imperfeito onde teoria e vida quotidiana se encontram: a pausa silenciosa antes da confissão, a palavra presa na garganta, a mensagem não enviada, o resultado médico que muda todo um futuro. O silêncio, aqui, não é vazio. É um ponto de partida.
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