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Um peixe antes desprezado está a tornar-se popular no Brasil, devido à sua segurança, baixo custo e ótimos benefícios nutricionais.

Mulher prepara peixe na cozinha enquanto senhora observa ao fundo.

As bancas de peixe no vasto mercado da Lapa em São Paulo costumavam contar uma história simples: salmão brilhante para os ricos, tilápia congelada para todos os outros, e alguns peixes de rio tristes e esquecidos amontoados num canto.

Agora, um desses “peixes de pobre” está em destaque, bem ao centro sobre o gelo, arranjado com cuidado, preços escritos em marcador azul grosso, compradores a fazer fila de cestos de plástico na mão. Um vendedor com uma camisola do Flamengo sorri enquanto pesa mais um quilo, repetindo a mesma frase toda a manhã: “Barato, seguro e bom para o coração.”

Está a acontecer uma mudança discreta nas cozinhas brasileiras. Famílias que antes escondiam este peixe no fundo do frigorífico agora gabam-se dele no TikTok e em grupos do WhatsApp. Os médicos mencionam-no nas salas de espera. Os nutricionistas partilham receitas. E por trás deste novo romance há uma mistura de ciência, economia e um país à procura de comer melhor sem falir.

Este peixe tem nome.

O regresso de um “peixe de pobre”

Durante anos, peixes de rio como a sardinha de água doce e o tambaqui foram considerados de segunda categoria em comparação com salmão importado ou bacalhau congelado. Chamavam-lhes “comida de pobre” com um meio-sorriso, como se comê-los fosse sinal de que não se podia pagar outra coisa. Nas prateleiras dos supermercados, vinham em sacos de plástico simples, sem marcas apelativas, sem alegações de saúde, apenas um preço baixo e uma má reputação.

Depois, a inflação dos alimentos disparou. Os preços da carne subiram em flecha, o frango deixou de ser um bom negócio e as famílias começaram a contar cada real na caixa. O mesmo peixe modesto que antes era ignorado começou de repente a parecer interessante outra vez. Não por ser moda, mas por ser a escolha possível.

No Norte do Rio, Marta, de 34 anos, recorda o mês exato em que mudou de hábito. “Costumava comprar asas de frango em promoção”, diz ela, com um saco de sardinha acabada de limpar na mão. “Um dia, as asas estavam quase ao preço deste peixe. Pensei: ao menos o peixe faz bem ao colesterol.” Começou a fritar os filetes pequenos para os filhos, depois a assá-los com legumes quando o óleo ficou caro. A mãe riu-se no início, lembrando-lhe dos tempos em que comiam este peixe por necessidade nos anos 90.

Hoje, Marta partilha receitas rápidas no Instagram Reels, responde a perguntas sobre espinhas e cheiro, falando quase como uma economista doméstica em vez de uma enfermeira cansada. Os supermercados locais já notaram. Uma cadeia do Rio relata que as vendas de peixe de água doce económico subiram quase 40% num ano, enquanto os importados e caros estagnaram. Nos dias de mercado, as bancas que antes só vendiam salmão agora mostram longas filas destas espécies outrora ignoradas, com cartazes manuscritos a gabar os ómega-3 e a proteína.

O ponto de viragem deu-se quando as pessoas deixaram de ver este peixe como “último recurso” e notaram o seu verdadeiro valor. Os estudos nutricionais das universidades brasileiras já lá estavam há anos: proteína de alta qualidade, quantidades generosas de ómega-3, vitaminas do complexo B, minerais como selénio e fósforo. Quando os influenciadores de saúde começaram a olhar para alimentos locais em vez de superalimentos importados, este peixe modesto preencheu todos os requisitos. Barato, fresco, com poucos contaminantes em comparação com algumas espécies marinhas, e surpreendentemente versátil na frigideira.

O que mudou não foi só o preço, mas a perceção. Quando os brasileiros ouviram médicos dizerem que era seguro para crianças, bom para grávidas e protetor do coração, algo mudou. Já não era “comida de resto”. Passou a ser uma escolha inteligente.

Como os brasileiros estão a cozinhá-lo, e o que evitar

A redescoberta deste peixe não começou em laboratórios de nutrição. Ocorreu em cozinhas barulhentas, com azulejos lascados e janelas que não fecham bem. As pessoas precisavam de uma maneira rápida de o cozinhar, com o que houvesse à mão, depois de longos turnos e autocarros cheios. A fórmula vencedora revelou-se simples: limpar bem, temperar generosamente, usar sabores fortes e cozinhar em lume alto para manter o peixe suculento.

Os vendedores de rua em Belém mostram o segredo. Passam o peixe por água fria com um pouco de sumo de lima para tirar o cheiro, enxugam bem e esfregam com alho, sal e uma pitada de colorau. Uns preferem coentros ou cebolinho, outros juram por cominhos. Depois vai diretamente para a frigideira quente com um fio de óleo, dourando de ambos os lados até a pele ficar crocante. Servido com arroz, farofa e um gomo de limão, deixa de parecer compromisso e passa a ser conforto.

Em casa, as pessoas estão mais ousadas. As air fryers marcam presença nos pequenos apartamentos, transformando filetes levemente untados em clássicos da semana. Jovens pais assam o peixe em papel de alumínio com tomate e cebola para manter o suco e evitar fumo. Um truque popular é misturar o peixe cozinhado e desfeito com polenta ou puré de mandioca, tornando-o mais fácil para crianças desconfiadas de “peixe visível”. O objetivo não é ser gourmet, é sobreviver com sabor.

Ainda assim, muito pode correr mal, e muitos brasileiros lembram-se bem da razão por que evitaram este peixe no passado. Cozinhar em demasia é o maior inimigo. Basta um par de minutos a mais ao lume para secar, reforçando o velho cliché de que peixe barato é “borrachoso e cheio de espinhas”. Outro erro comum é comprar peixe mal conservado em bancas onde o gelo já derreteu ao sol da tarde. Aí sim, surge o cheiro forte que afasta pessoas durante meses.

O outro medo é a segurança. Anos atrás, rumores ligaram peixe de rio a mercúrio e poluição nas grandes cidades, confundindo espécies e regiões. Muitas famílias guardam essa preocupação, sobretudo para crianças e grávidas. Por isso, quando os nutricionistas começaram a repetir que a aquacultura controlada e o melhor controlo de qualidade tornaram o peixe mais seguro, muitos demoraram a acreditar. A confiança não muda de um dia para o outro só porque saiu um estudo.

A nutricionista Ana Luiza, do Rio, ouve quase sempre as mesmas perguntas.

“As pessoas sentam-se no meu consultório e sussurram: ‘Este peixe é mesmo seguro para os meus filhos? Nós comíamos quando éramos pobres, isso era mau?’ Eu digo-lhes: o que nos fez mal não foi o peixe, foi a falta de informação e de acesso. Agora sabemos escolher, cozinhar e combinar. Isso muda tudo.”

Ela insiste em regras simples: comprar em bancas movimentadas, onde há mudança de stock frequente, escolher peixes de olhos brilhantes e cheiro fresco e neutro, e alternar espécies ao longo da semana. Nada de extremos, nada de exigências técnicas. E sejamos honestos: ninguém está a pesar porções ou a contar macros numa aplicação.

Para quem quer integrar este peixe na rotina sem stress, há hábitos básicos que fazem diferença:

  • Escolher peixe inteiro ou filetes húmidos e brilhantes, não baços ou acinzentados.
  • Congelar em sacos pequenos para descongelar apenas o necessário.
  • Começar com receitas simples (assado, salteado, guisado com tomate) antes de experimentar algo mais complexo.
  • Acompanhá-lo com feijão, arroz e legumes para uma refeição completa e saciante.
  • Ouvir o próprio corpo: se se sentir pesado ou indisposto com certos preparados, ajuste o tempero e o óleo em vez de culpar logo o peixe.

O que este peixe humilde revela sobre o futuro do Brasil

No fim, a história deste “peixe de pobre” não é só sobre rótulos de nutrição e folhetos promocionais. Diz respeito à dignidade do brasileiro à mesa quando o dinheiro aperta e a comida precisa de continuar a saber a amor. Já todos passámos pela experiência de abrir o frigorífico, olhar para meia dúzia de ingredientes e tentar transformá-los em algo que não sabe a desistência.

Escolher este peixe é, de forma discreta, recusar render-se à fadiga dos ultraprocessados. É dizer: talvez não possa comprar salmão, mas ainda posso dar à minha família algo verdadeiro, com espinhas, histórias e molho no fundo da panela. Para alguns, é também uma reconexão com avós que pescavam em rios turvos, quando comer o que se apanhava não era romântico — era o único caminho.

Vai surgindo um orgulho subtil à volta deste peixe. Jovens urbanos filmam receitas e identificam-nas como “comida de verdade”, transformando um antigo estigma em sinal de inteligência. As gerações mais velhas veem os seus alimentos de sobrevivência serem revalorizados como escolhas sensatas, não como lembranças embaraçosas. E à medida que as pessoas comparam energia, análises e o talão das compras, essa mudança parece menos moda e mais decisão coletiva, gradual e silenciosa.

Este peixe não vai resolver a desigualdade alimentar do Brasil nem limpar rios poluídos sozinho. Mas o seu regresso aponta para um futuro possível, onde opções locais e acessíveis não precisam de publicidade para serem respeitadas. Onde “barato” não quer dizer logo “pior”.

Da próxima vez que o vir sobre o gelo numa banca cheia, preste atenção. Por trás do preço modesto há toda uma conversa sobre saúde, dinheiro, memória e o poder discreto das escolhas do dia a dia. É esse tipo de história de comida que as pessoas continuam a partilhar ao almoço, muito depois do prato estar vazio.

Ponto-chaveDetalheInteresse para o leitor
O regresso de um peixe “de pobre”Espécies locais baratas ganham popularidade devido à segurança, valor nutricional e preçoPerceber porque este peixe está por todo o lado e o que isto revela sobre os hábitos alimentares
Bons hábitos na cozinhaLimpeza cuidada, cozedura rápida, temperos simples e rotatividade de espéciesCozinhar melhor já hoje, sem receitas complicadas nem equipamentos especiais
Impacto social e emocionalEste peixe toca na dignidade, memória familiar e gestão da inflação alimentarSentir-se menos sozinho perante escolhas alimentares difíceis e encontrar sentido em pratos simples

Perguntas Frequentes:

  • De que peixe se fala exatamente? Principalmente espécies económicas de água doce brasileiras como sardinha de água doce, jaraqui, tambaqui ou corvina de rio, dependendo da região e do mercado.
  • Este peixe é mesmo seguro comparado com o marinho? Estudos revelam que muitos peixes de água doce de aquacultura controlada no Brasil têm baixos teores de contaminantes e são considerados seguros quando frescos e consumidos em quantidades normais.
  • Tem tanto ómega-3 como o salmão? Nem sempre as mesmas quantidades, mas algumas espécies locais fornecem bons níveis de ómega-3, além de proteína de alta qualidade e minerais essenciais, a uma fração do preço.
  • Qual a forma mais fácil de começar a cozinhar? Comece por assar ou fritar filetes pequenos com alho, sal, limão e um fio de azeite, servidos com arroz e salada – simples, rápido e amigo das crianças.
  • Quantas vezes por semana posso comer este tipo de peixe? A maioria das orientações nutricionais no Brasil sugere peixe pelo menos uma a duas vezes por semana, variando as espécies; fale com o seu médico em caso de condições específicas de saúde.

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